quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Entrevista com Antônio Nahud Junior: “Sempre achei o cinema um mundo todo próprio”



Cefas Carvalho e Andressa Vieira

Para a Revista Papangu
Quando foi marcada a entrevista exclusiva para a Papangu com o jornalista e escritor Antônio Nahud Junior havia uma preocupação: de que a entrevista não descambiasse para um agradável bate-papo sobre cultura e arte. Pois os temores se confirmaram e a entrevista – realizada com sucesso em uma tarde agradável em um café no Natal Shopping – também se tornou uma ampla conversa sobre vida, arte em geral e principalmente sobre cinema. Nascido em Ilhéus (Bahia) em 13 de junho de 1967, de descendência portuguesa e libanesa, formou-se em Comunicação/Jornalismo e publicou o seu primeiro livro, “O Aprendiz do Amor”, em 1993, depois de uma série de prêmios literários. Sua mudança para a Europa em 1994 fez com que ele mergulhasse noutro mundo. O resultado disso é que produziu centenas de crônicas, contos e poemas sobre as suas observações autodidatas, publicando mais sete livros, em diversos gêneros, sendo que três deles em Portugal. Como jornalista, cobriu festivais de cinema e bienais de literatura para jornais de renome como Folha de S. Paulo e Diário de Notícias (Portugal). Atualmente mora em Natal  colaborando com o poeta Diógenes da Cunha Lima, participando de encontros literários em todo o país e finalizando livro de contos que será lançado ainda este ano, “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano”. Há coisa de um ano, criou o blog especializado em cinema http://ofalcaomaltes.blogspot.com/  que ganhou prestigio e seguidores em todo o Brasil. Para falar no blog, na Sétima Arte e em cultura em geral, Nahud concedeu essa entrevista. Confira.

Como e quando começou todo o seu amor pelo cinema?
Isso é uma coisa muito antiga. Meu pai, que já faleceu, gostava muito de cinema, tinha uma verdadeira veneração. Então, desde muito jovem, todos os domingos costumávamos ir ao cinema. Mas era um cinema bastante comercial, eu era criança ainda, não era nada seletivo. Eram geralmente comédias. Passei alguns anos assim, indo todos os domingos ao cinema, mas como um hábito comum de um menino, que ia com os amigos e os irmãos. Certa vez, eu tinha por volta de onze anos, meu pai me levou para uma sessão de arte que acontecia aos domingos às 22h. Meu pai me levou por falta de companhia, pois minha mãe não quis ir. Fui sem nenhuma vontade. Quando eu cheguei lá, era “Amarcod”, de Fellini. Fiquei impressionadíssimo com o filme, em estado de choque. Meu pai até ficou um pouco preocupado. Achei uma coisa totalmente diferente, especial. A partir desse primeiro contato mágico com Fellini, que não é um dos diretores que mais gosto, mas esse foi o primeiro filme que me tocou realmente, comecei a pesquisar. Comecei a ler bastante sobre cinema. Como naquela época não tinha TV à cabo, comecei a procurar os filmes da Globo que passavam meia noite, duas da manhã. Comecei a descobrir e não parei nunca mais.
Você vivia a magia de ver a luz saindo e batendo na tela do cinema? Você vivia essa relação com o espaço físico do cinema?
Vivia. Sempre achei o cinema um mundo muito próprio. Eu fui um adolescente meio problemático, mesmo com cinco irmãos eu era muito solitário, muito de ler. Então eu canalizava muito minha vida para o cinema. Sempre vi o cinema como aquela coisa de luz, som, imagem, outros mundos. Tinha muito isso.
Qual o seu gênero favorito e qual o seu filme favorito?
Me perguntaram no blog justamente isso. É super difícil. Gosto muito filmes policiais noir,  de “Cantando na Chuva”. Mas para escolher, fico com “O Sétimo Selo”, de Bergman. É forte, bonito, poético, muito interessante. Gosto muito de Bergman. Acho o melhor diretor de todos.
E qual seu gênero favorito?
Gosto de todos os gêneros, o que eu menos gosto é comédia. Mas eu acho que meu gênero favorito é policial noir. Eu vejo tudo de policial noir. Pode ser o mais fraco, sempre me interessa.
Você é formado em jornalismo. Como surgiu o interesse pela área? Você viu nisso uma forma de se aproximar do cinema?
Foi por acaso. Sou de uma família de médicos e advogados e havia uma grande pressão para eu me formar em Direito ou Medicina, como meus irmãos. Eu, como sempre fui rebelde, não queria diploma nenhum. Sempre que eu escrevia, sabia, com onze ou doze anos, que queria ser escritor. Meu pai lia muito, mas dizia “Meu filho, escritor morre de fome”. Então Jornalismo foi uma opção por achar que era algo mais próximo da literatura. Não tenho paixão por Jornalismo. Gosto muito da profissão, tive grandes momentos. Mas foi mais pela literatura. Tanto que fiz primeiro Arquitetura, fiz até o segundo ano. Então desisti, e fiz Comunicação. Mas nunca tive um fascínio pela profissão de jornalista.
E como jornalista, você teve a oportunidade de se aproximar mais das suas paixões, realmente?
No início eu fiz de tudo. Trabalhei na TV, fui repórter, fiz de tudo. Mas procurei canalizar meu jornalismo para o jornalismo cultural. Fui fazendo contatos, conhecendo, até que eu consegui isso. Então foi algo premeditado, ficar mais vinculado ao jornalismo cultural, literário, cinematográfico, justamente para eu me aproximar mais desse universo da arte, que sempre foi o que mais me fascinou.
Nesse processo todo, você chegou a se aventurar no fazer cinema ou sonhou com isso?
Escrevi alguns roteiros. Dois roteiros meus foram filmados em Portugal por um amigo, José Ricardo, que é cineasta. Mas é um cineasta não-conhecido. Não fez nenhum longa até agora, só curtas-metragens. Um foi uma adaptação de um conto de Edgar Allan Poe, “O Coração Enganador”, e o outro foi uma criação sobre Lord Byron. Ficaram bastante interessantes. Fiz vários cursos de cinema com Caio Fernando Abreu e outros, mas nunca pensei no cinema como profissão. Hoje em dia eu acho que errei, podia ter tentado partir para o roteiro ou direção, gosto muito de direção. Mas ainda penso em fazer um curso de cinema para ensinar e trabalhar como professor, mas filmar, não. Tenho dois grandes amigos que são cineastas na Bahia, o José Alípio Júnior e o Edgar Navarro, que é um cara conhecidíssimo internacionalmente, com 40 anos de cinema, batalha isso diariamente, conseguiu fazer dois longa metragens em 40 anos. É muito difícil fazer cinema no Brasil.
Apesar disso, como baiano, e morador do Rio Grande do Norte, você acha que está havendo uma ascensão do cinema nordestino?
Com certeza. Acho que Pernambuco realmente é um grande estado na área cultural. Nos últimos anos tem sido o estado mais forte. Acho que o cinema pernambucano realmente tem revolucionado o país, são grandes diretores, o Cláudio Assis, Lírio Ferreira, Paulo Caldas, são todos muito bons. Acho interessante porque está tirando aquela coisa do eixo Rio-São Paulo e estamos vendo um cinema diferente, um cinema realista, que foge completamente dessa estética televisiva que é tão comum hoje em dia. É um cinema personal, autoral, interessante. Então isso tem realmente reforçado quem faz cinema no Nordeste. Tem muito a ver com esse boom no cinema pernambucano, que é um grande cinema. Às vezes, um tanto cruel, mas interessante.
Há cinéfilos e estudiosos de cinema que são contra o cinema tão forte de mercado como há hoje, muitos filmes com a estética da Globo. Outras pessoas já acham que não, que esse mercado vai gerar quantidade e da quantidade sai a qualidade. Qual a sua opinião? Esses filmes pasteurizados, made in Globo, são nocivos ou são positivos para criar esse mercado?
Acho que são positivos. Sou a favor. É justamente isso. Se você gosta de assistir a um filme comercial, com um ator global que você gosta, você vai por ele, aí de repente, naquela obra, ele pode enxergar algo interessante e já vai querer assistir um outro filme. Isso termina criando um hábito ou criando um caminho para você começar a descobrir coisas interessantes. Como foi o meu caso, vi vários filmes comerciais para começar a descobrir Fellini. Acho que é sempre válido. Além do mais, dá casa e trabalho para os nossos artistas.
Como surgiu a ideia do blog O Falcão Maltês? O blog é o que você esperava desde o começo?
Esse blog até hoje me assusta um pouco a repercussão que gerou. Eu não esperava. Sempre tive blogs, sempre voltados para a área literária. Tive três ou quatro blogs, mas terminava desistindo pela chatice das pessoas. Mandavam um poema e pediam para eu analisar, publicar textos, perguntavam o que eu achava dos livros delas. Eu falava que não era crítico literário, então sempre parava por isso, pela pressão. Fiz várias inimizades por isso. Quando fazia uma crítica mais ácida, perdia amigos, e parei completamente com a questão dos blogs literários. Fiquei uns dois anos sem blogs. Quando voltei a morar em Natal, há um ano atrás, a cidade mais tranquila, tenho mais tempo para fazer as coisas, que eu não tinha antes, então pensei em montar um blog. Bem, a coisa que tenho mais facilidade, e me dá mais prazer de escrever, é o cinema. Depois de literatura, é o cinema. Comecei a fazer uma pesquisa, descobri que havia zilhões de blogs de cinema, que até o momento, eu não conhecia. Tinha blog de cinema espalhados por todos os lados. Então comecei a perceber que a maioria se tratava sempre de filmes comercial, contemporâneos, que eram raros blogs voltados para filmes clássicos. Os blogs que descobri voltados para filmes clássicos, ou a informação era muito ruim, limitada, ou os blogs eram muito secos, não investiam em estética e imagens. Resolvi casar essa coisa do visual. Perco mais tempo não é com a escrita, porque escrevo rápido, mas procurando imagens. É incrível. Passo horas pesquisando imagens. Vou em sites japoneses, sites americanos, sites franceses. Não quero publicar nada que alguém publicou, que seja muito comum, muito óbvio, que já tenha saído muitas vezes. Então isso é o que dá mais trabalho. Mas eu pensei realmente em uma coisa para poucas pessoas, pensei em algo para trocar ideias com poucas pessoas, amigos cinéfilos. Não sabia que tinha um mercado tão grande para o cinema do passado. Comecei e o blog estourou aqui, em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos. Fiquei muito impressionado. Atualmente tenho mais de 70.000 visitantes, em nove meses de blog, quase 500 seguidores. Qualquer postagem que coloco são 40, 50 comentários.
Você faz questão de dizer no blog, exceto pelos textos registrados com o nome do autor, que os textos são todos seus. Você acha que isso pode ser um diferencial, de você colocar as suas paixões, atrizes e atores que você gosta e comentar?
Isso na verdade já é uma espécie de seleção. Há coisas que não têm muito a ver comigo, mas o subtítulo do blog já diz: “Uma viagem pessoal pela história do cinema”. É uma coisa muito pessoal, é a minha visão, não quer dizer que o cinema clássico seja realmente aquilo. É a minha visão do que é o cinema, até para evitar conflitos de ideologias e tudo.
Além do prazer, o blog trouxe outros tipos de vantagens para você?
Vantagens financeiras ainda não, embora eu esteja querendo partir para anúncios no blog, pois bastantes pessoas já me pediram para fazer anúncios. Mas a partir do blog, já fui convidado para várias coisas, encontros de cinema, escrever textos. Agora mesmo, tem uma menina de São Paulo, que ensina a USP, tá publicado um livro de cinema e me convidou para fazer o prefácio do livro. Então conheci muitas pessoas interessantes, fiz muitos contatos legais. Fui convidado para outros lugares que não pude ir, mas tudo por causa do blog. Então, nesse ponto, está sendo muito positivo.
O blog tem chance de virar livro, não é? Como seria essa transição da internet para o papel?
Tenho convidado, nos últimos meses, amigos, cinéfilos, escritores, jornalistas, para postarem no meu blog. Pretendo lançar uma série de livros O Falcão Maltês e o primeiro que quero lançar são com os textos desses convidados, depois partir, se der certo, para um segundo ou terceiro com postagens de O Falcão Maltês. O mercado de livros de cinema está forte agora. Antes não tinha, você entrava na livraria, procurava, e não tinha nada. Era tudo importado. Não exista no Brasil.
Vamos para a sessão agora de fazer inveja nos entrevistadores e nos leitores. Qual o seu acervo de filmes atualmente?
Não sei contabilizado, mas tenho cerca de 3 mil filmes em DVD e no computador.
Quase todos da época áurea de Hollywood?
A grande maioria. Até os anos 80. Tenho filmes modernos, mas a grande maioria é realmente dos anos 10 ate a década de 70. Isso eu posso garantir. Tenho 80% de tudo o que é mais importante. Eu sou super organizado, tenho tudo catalogado no computador com ficha técnica, com tudo.
E tudo à disposição dos internautas, através do contato com O Falcão Maltês?
Sim, inclusive agora estou lançando uma série de questionários no blog e ao primeiro que acertar todas as perguntas, vou ofertar três filmes de determinado diretor.
Como você veio parar em Natal?
Minha história com Natal é incrível. Morei esses anos todos na Europa, e certa vez eu estava fazendo cobertura da Bienal do Livro, em Paris, foi em um ano em que o Brasil foi homenageado. Era tudo sobre o Brasil. Então estavam todos os escritores brasileiros lá. O professor Diógenes da Cunha Lima estava lá. Eu estava com Lígia Fagundes Telles, e ele apareceu com Antônio Torres, com aquela simpatia dele. Disse que queria alguém que escrevesse a biografia dele, já que o papo estava rolando em torno de biografias. E ele falava: “Quem sabe um dia você não vai escrever a minha biografia”. Então, quando eu voltei para o Brasil, eu estava de férias, resolvi circular pelo Nordeste, visitar um amigo em João Pessoa e Maranhão. Então estava olhando o jornal e tinha uma matéria com ele e resolvi visita-lo. Fui lá ao escritório dele e lá ele foi super gentil, super simpático. Ele me tratou bem e me fez o convite para escrever a biografia dele e eu vim logo depois. Fiquei seis meses aqui, era 2003. Me apaixonei, literalmente, por Natal. É o tipo de cidade que eu gosto, tranquila, violência mínima. Voltei em 2005, passei nove meses,aí fui convidado para dirigir um Centro de Cultura na Bahia, então voltei para a Bahia, fiquei no Centro dois anos. Fui para a Europa de novo, depois Bahia novamente, não aguentava mais Salvador. Então decidi me aposentar, queria ficar no Brasil e lembrei de Natal. Agora estou aqui e só mudo para o interior. Tenho um projeto, inclusive, de mudar para Pipa.
Atualmente, o que você faz?
Faço assessoria para o escritório do professor Diógenes da Cunha Lima, produzo textos, qualquer publicidade sou eu que preparo, divulgação, revisão de depoimentos deles, tenho um turno só para ele. Além disso, escrevo para alguns jornais. Escrevo para O Tempo, Jornal A Tarde, um jornal da minha cidade lá de Ilhéus, escrevo várias crônicas, ganho uma besteirinha aqui, uma besteirinha lá e dá para sobreviver.
E quanto aos seus projetos literários?
Tenho dois livros prontos, um romance, “O homem sem caminho”, que é uma versão contemporânea de “Carmem”. Li o livro mais de quinze vezes. Visitei todos os lugares que são retratados no livro. E transformei isso em uma história moderna, com o plano de fundo da imigração ilegal brasileira e que os protagonistas, agora, são dois homens. E a Carmem, na verdade, é uma entidade, uma espécie de pomba-gira, coisa assim. Esse livro está pronto, é meu primeiro romance, mas eu pretendo dar um tempo mais, publicá-lo ano que vem. E tem também um livro de contos, que quero publicá-lo, no máximo, daqui a dois meses, por uma editora de São Paulo, estou fechando com ela. São contos urbanos, minimalistas, contos de uma página, uma página e meia. São quase cem contos. “Pequenas histórias do delírio peculiar humano”. Esses são meus projetos literários. E tem também um que não está pronto, mas estou trabalhando nele, é um livro sobre a história do cinema homossexual. Tenho feito uma pesquisa enorme, escrevi mais de oitenta páginas, mas ainda não cheguei nem perto. Tanto que limitei, parei em 1980, não vou mais continuar depois disso, é impossível continuar, pois a cada ano são quinhentos filmes novos. Ele será dividido por décadas, a cada capítulo destaco os principais filmes, e faço uma análise daquela década. O título do livro é a frase de Quanto Mais Quente Melhor , “ninguém é perfeito”.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Agora é pra valer: Ettore Scola anuncia aposentadoria

Artur Xexéo

 
Não é a primeira vez que Ettore Scola diz que está abandonando o cinema. mas agora é pra valer. Em entrevista à revista italiana "Il tempo", o cineasta garantiu que este "é o momento de dizer basta sem arrependimento". Depois de algumas declarações semelhantes, Scola chegou a se envolver no projeto de um filme com Gerard Depardieu. Mas, quando estava quase tudo pronto para começar a filmar, percebeu que não estava mais interessado em dirigir. Diretor de mais 30 filmes em 40 anos de cinema, Scola afirmou que não quer ficar como "aquelas velhas senhoras que colocam salto alto e batom para estar com os jovens".
"Há lógicas de produção e distribuição que não me dizem maIs respeito. Para mim é fundamental ter liberdade de escolher e desistir. Comecei a sentir-me obrigado a respeitar objetivos que não me faziam sentir livre", relatou. "Hoje é só o mercado que faz as escolhas. Não que antes o mercado não fosse importante, mas havia mais espaço de autonomia e de exceções. Os produtores também estavam prontos para arriscar a experimentar. Claramente a crise econômica que estamos vivendo piorou ultimamente as coisas"..

O blogueiro lamenta. Scola foi responsável por alguns dos melhores momentos que vivi dentro de uma sala de cinema, como "O jantar", "A família", "Casanova e a revolução", "Paixão de amor", "Um dia muito especial" e, principalmente, "Nós que nos amávamos tanto".





Nota deste blogueiro: Scola foi um dos monstros sagrados do cinema italiano, tendo sido muitas vezes subestimado. "Nós que nos amávamos tanto" está entre os filmes mais lindos já assistidos por este que vos escreve. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"O filho da noiva" é filme para todo ser humano assistir antes de morrer


Revi no último domingo, chuvoso domingo, o maravilhoso filme argentino “O filho da noiva”, misto perfeito de comédia e drama que dá de capote em quase tudo que se fez no Brasil e nos EUA nos últimos dez anos. Recuso-me a fazer a sinopse do filme ou comentá-lo. É daqueles filmes que se deve assistir e pronto. Dos filmes que todo ser humano deveria ver uma vez na vida, ao menos, assim como “A noviça rebelde”, “Jules e Jim” e “Amarcord”. Ah, e a mesma dupla do filme, Juan José Campanella (diretor) e Ricardo Darin (ator) realizou o igualmente fantástico “O segredo dos seus olhos”, que venceu o Oscar de filme estrangeiro do ano passado.  

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

As muitas vidas de Roman Polanski

por Luciano Trigo para o G1

CapaO título do livro de Christopher Sandford é Polanski – Uma vida, mas a trajetória do seu personagem é tão múltipla, atribulada, trágica e cheia de reviravoltas que mal parece caber numa única existência – ou numa única biografia. Bastaria citar três episódios que sozinhos bastariam para preencher ou definir toda uma vida: a experiência do Holocausto na Polônia, na infância, tendo perdido a mãe num campo de concentração; o assassinato bárbaro de sua segunda mulher, Sharon Tate, grávida de quase nove meses, numa carnificina promovida por membros da seita do lunático Charles Manson, em 1969; e o escândalo provocado pelo suposto estupro de uma menina de 13 anos, oito anos depois, seguido da condenação pela Justiça americana e da fuga vergonhosa do país.
Parece difícil acreditar que alguém consiga não apenas passar incólume por tantos traumas como também  encontrar energia e inspiração para produzir uma obra cinematográfica internacionalmente reconhecida, que já chega a 18 longas-metragens (desde a estreia, com Faca na Água, em 1962, ainda na Polônia comunista, até O escritor fantasma, em 2010, passando por clássicos como O bebê de Rosemary, A dança dos vampiros e Chinatown). Essa carreira aparentemente ainda não chegou ao fim: Polanski já está envolvido na pre-produção de Carnage, baseado na peça de Yasmina Reza que no Brasil recebeu o título de O Deus da carnificina.
Arrogante e vesso às convenções sociais, promíscuo notório com uma queda incontrolável por lolitas, artista cínico e indiferente à opinião pública, o cineasta polonês – que completa 78 anos no próximo dia 18 – parece ser amado e odiado na mesma medida e tem plena consciência disso.
Em suas memórias, Roman, publicadas em 1984, definiu a si mesmo como um “gnomo devasso e maligno”, e não estava exagerando. Detalhista, com base em mais de 270 entrevistas e numa pesquisa exaustiva, Sandford corrige diversas informações contidas naquele livro e contesta outras, construindo em sua biografia (não-autorizada porém honesta) o retrato de um homem ambíguo, um fugitivo marcado por diferentes exílios e perdas, mas também um artista perfeccionista ao extremo, para quem o cinema é mais importante que a vida real.
Roman Polanski e Sharon TateFalta, talvez, profundidade na interpretação da personalidade e das motivações de Polanski, mas de certa forma isso é bom: o autor não cede à tentação de justificar a vida pela obra, nem embarca em elucubrações teóricas sobre os sentidos ocultos dos seus filmes. Sandford não tem a pretensão de explicar Polanski, mas tão somente mostrá-lo, para que o leitor faça o seu próprio julgamento.
Não se espere, tampouco, uma análise crítica de sua obra, embora o livro seja rico em histórias sobre os bastidores de cada produção, sobre os projetos não realizados (incluindo um filme sobre golfinhos assassinos que planejam matar o presidente dos Estados Unidos)  e sobre a relação de Polanski com outros cineastas de sua geração – destacando-se aqui a antipatia por Jean-Luc Godard em particular e pela Nouvelle Vague em geral, que o assustavam “por seu amadorismo e por sua técnica pavorosa”. No Festival de Cannes, em 1968, quando os cineastas franceses se mobilizavam em torno de propostas de esquerda, ele declarou: “Truffaut e Godard são como garotos brincando de fingir de revolucionários. Passei dessa fase. Fui criado num país em que essas coisas aconteciam para valer.”
O desafio que o autor se propõe, portanto, é desenrolar, de forma tão precisa e objetiva quanto possível,  o novelo confuso, tortuoso e por vezes bizarro em que se transformou desde muito cedo a vida de Polanski. Naturalmente, as minuciosas reconstituições dos dois episódios mais traumáticos da vida do cineasta ocupam boa parte do livro: o assassinato de Sharon Tate e o processo por estupro da menor Samantha Gailey. (Aos percalços vividos na infância, também mapeados com rigor, o próprio Polanski se recusou a atribuir qualquer importância: “As crianças aceitam a vida como ela é. As dificuldades por que passei me pareciam normais.”)
Roman e SharonSharon era a mulher perfeita para Polanski: linda, famosa e bem-sucedida como atriz, apaixonada, tolerante às traições do marido. O acordo era: “Roman mente para mim, e eu finjo que acredito”.  Em 1969, o diretor colhia os louros do sucesso de O bebê de Rosemary, um enorme êxito de bilheteria – mas também  um filme perturbador, envolvendo satanismo, o que despertou reações violentas e cartas ameaçadoras (“Vou decapitá-lo e depois mijar no seu crânio”, dizia uma delas).
Enquanto isso, um marginal chamado  Charles Manson reunia dezenas de jovens desmiolados em torno de ideias malucas e muitas drogas, criando uma espécie de seita cujo lema, “Helter Skelter”, era tirado de uma canção dos Beatles. Sandford é convincente ao desvincular o assassinato de Sharon Tate do filme O bebê de Rosemary - tese bastante difundida na época, atribuindo-se ao casal a prática de bruxaria. Outra versão descartada é a de que o crime foi resultado de uma “festinha devassa” regada a LSD que tinha descambado para a violência. Embora Polanski fosse de fato chegado a drogas e sexo não ortodoxo, ele não teve nenhuma culpa no episódio. A chacina, aliás, é descrita com detalhes escabrosos, que mostram a que ponto pode chegar a patologia social norte-americana, numa das páginas mais negras da cultura americana.
Samantha GaileyApesar de alguns atenuantes, é difícil conservar a mesma simpatia por Polanski no caso de Samantha Gailey, menina de 13 anos a quem ele ofereceu bebida e sedativos e em seguida violentou, na casa de Jack Nicholson, após uma sessão de fotografias. O mais chocante é constatar que deitar com meninas dessa idade parecia algo rotineiro para o cineasta, na época com 43 anos. Sandford transcreve trechos do depoimento da menina à Justiça que deixam Polanski muito mal na foto. A reação da mídia foi de revolta: um jornal de Los Angeles chegou a sugerir que o cineasta fosse “quimicamente castrado”.
Polanski chegou a passar 42 dias na prisão, acreditando estar cumprindo sua parte num acordo com o juiz designado para o caso. Mas o acordo só existia na sua imaginação.  Embora tenha afirmado gostar da experiência do encarceramento, ele não hesitou em fugir para a Europa quando  se deu conta de que poderia ficar preso por muito mais tempo do que pensava – a pena, somados os diversos delitos envolvidos (uso de drogas, sexo não-consentido com menor, sodomia etc) podia chegar a 50 anos.
O fato é que Polanski sobreviveu a mais esse golpe e continuou a fazer seus filmes. Em 2002 ganhou o Oscar por O pianista. Está casado desde 1989 com a bela atriz Emanuelle Seigner, que estrelou seus filmes Busca frenética e Lua de fel. Preso em Zurique no ano passado, conseguiu escapar da extradição para os Estados Unidos graças a uma boa fiança e à pressão de diversos intelectuais e cineastas que se mobilizaram em sua defesa.
Christopher Sandford é um biógrafo profissional, que já escreveu livros sobre Mick Jagger, Erc Claptone Kurt Cobain, entre outros. Em Polanski – Uma vida, ele reúne um volume de informações impressionante sobre seu biografado, muito bem articuladas por uma prosa ágil e envolvente. Fica-se sabendo tudo sobre a vida do cineasta, e no entanto algo escapou: o enigma Polanski permanece indecifrado. O eterno fugitivo, mais uma vez, não se deixou capturar – mas esta talvez fosse uma tarefa impossível.
Polanski – Uma vida, de Christopher Sandford. Nova Fronteira, 488 pgs. R$59

FILMOGRAFIA DE ROMAN POLANSKI
- A faca na água (1962)
faca
- Repulsa ao sexo (1965)
sexo
- Armadilha do destino (1966)
armadilha
- A dança dos vampiros (1967)
dança
- O bebê de Rosemary (1968)
bebê
- Macbeth (1971)
macbeth
- Quê? (1973)
que
- Chinatown (1974)
Chinatown
- O inquilino (1976)
inquilino
- Tess (1979)
Tess
- Piratas (1986)
Piratas
- Busca frenética (1988)
Frantic
- Lua de fel (1992)
Lua de fel
- A morte e a donzela (1994)
Morte
- O último portal (1999)
Portal
- O pianista (2002)
Pianista
- Oliver Twist (2005)
Oliver
- O escritor fantasma (2010)
Fantasma

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Festival de Veneza divulga filmes concorrentes: drama de Cronnenberg sobre Freud e Jung deve se destacar


A organização do Festival Cinema de Veneza (um dos 3 mais importantes do mundo, ao lado de Cannes e Berlim) divulgou a lista da mostra competitiva. Apenas um “monstro sagrado” na relação (Roman Polanski), mas, muitos cineastas consolidados no mercado (William Friedkim, Abel Ferrara, Phillipe Garrel) e outros em franca ascenção (Andrea Arnold, Steve Mc Queen, Cristina Comencini). De cara, me chamou a atenção na lista a presença do canadense David Cronenberg (de “Crash”, “Gêmeos” entre muitos outros) com um filme sobre Freud e Jung. Na tradição do velho “não vi e já gostei”, espero que o filme seja bom e Cronnenberg possa, enfim, vencer um festival de primeira linha. Também me chamou a atenção o novo filme do grego Yorgos Lanthimos, que concorreu ao último Oscar de filme estrangeiro com o esquisito e ousado “Dente canino”, que assisti a poucos dias e me surpreeendeu positivamente. Segue a lista e que vença o melhor (que, espero, seja o de Cronnenberg).

 “The Ides Of March”, George Clooney
“Tinker, Tailor, Soldier, Spy”, Tomas Alfredson
“Wuthering Heights”, Andrea Arnold
“Texas Killing Fields”, Ami Canaan Maan
“Quando La Notte”, Cristina Comencini
“Terraferma”, Emanuele Crialese
“A Dangerous Method”, David Cronenberg
“4:44 Last Day On Earth”, Abel Ferrara
“Killer Joe”, William Friedkin
“Un Ete Brulant”, Philippe Garrel
“A Simple Life”, Ann Hui
“The Exchange”, Eran Kolirin
“Alps”,Yorgos Lanthimos
“Shame”, Steve McQueen
“L’ultimo Terrestre”, Gian Alfonso Pacinotti
“Carnage”, Roman Polanski
“Chicken With Plums”, Marjane Satrapi and Vincent Paronnaud
“Faust”, Aleksander Sokurov
“Dark Horse”,Todd Solondz
“Himizu”, Sion Sono
“Seediq Bale”, Wei Te-Sheng