quinta-feira, 31 de março de 2011

Olhos de ressaca

Cefas Carvalho

Sempre fui apaixonado pela descrição que Machado de Assis fez de sua Capitu em “Dom Casmurro”, para mim o maior romance já escrito nestas terras brasileiras. A moça em questão – que enlouquece Bentinho de ciúmes e dúvidas – tem “o olhar oblíquo e dissimulado, olhos de ressaca”, segundo o gênio do Cosme Velho.
Nada mais normal que mulheres com este predicado me fascinarem, ainda que platonicamente. E nada ainda mais normal que o cinema – com suas musas – ser o veículo perfeito para este fascínio.
Entre as paixões cinematográficas, recordo dos olhos de Capitu de Nastassja Kinski em muitos filmes. Também do olhar de Hanna Schygulla, musa de Fassbinder.
Mas poucas atrizes encarnam o conceito “olhar de ressaca” como a francesa Ludvine Sagnier. Em pelo menos dois filmes ela desfila esse olhar “capituniano”: em “Swimming pool” (de Francois Ozon) ela encarna uma Lolita perversa e confronta a musa Charlotte Rampling. Em “Canções de amor”, musical de Christophe Honoré, ela vive uma burguesinha mimada que experimenta relacionamentos complicados.
Cada fotograma de Sagnier exprime o olhar que Machado descreveu. A personagem Julie é ambígua, estranha, talvez cínica, talvez carente. Canta cinco músicas no filme, todas sobre (des)amor, relacionamento e ciúmes. Todas com o olhar de ressaca que, no filme, fascina homens e mulheres e confunde a própria família.
É certo que o cinema francês sempre foi pródigo em musas. Há algumas décadas, Catherine Deneuve e o mito maior Brigitte Bardot. Nos anos oitenta, Isabelle Adjani e Juliette Binoche. Mais recentemente beldades talentosas como Julie Delpy, Emmanuelle Beart e Sophie Marceau. Sagnier pode ser a estrela da vez. Com seu olhar de Capitu.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Cineclube Natal retoma atividades exibindo drama francês sobre Educação


Nesta quinta-feira dia 31, o Cineclube Natal inicia sua programação 2011 exibindo, dentro da sessão Cine Assembleia, o longa-metragem "Entre os Muros da Escola" (Entre les murs, 2008, FRA), do diretor francês Laurent Cantet. Sua temática educacional será o norte dos títulos apresentados no Cine Assembléia de 2011, sedimentando seu caráter de formação de público entre crianças e adolescentes de escolas públicas - cuja presença é a essência do projeto. A sessão é gratuita e tem início às 18h. A classificação indicativa é 12 anos e a pipoca é cortesia da casa!

O filme acompanha François Marin (François Bégaudeau), que trabalha como professor de língua francesa numa escola de ensino médio, localizada na periferia de Paris. Ele e seus colegas de ensino buscam apoio mútuo na difícil tarefa de fazer com que os alunos aprendam algo ao longo do ano letivo. François busca estimular seus alunos, mas o descaso, a ausência de suporte da família e os problemas sociais são grandes complicadores. Outras variáveis compõem o universo de dificuldades do processo educacional proposto por Marin, o que torna o filme uma obra indispensável, especialmente para educadores e alunos, merecidamente premiada com a Palma de Ouro em Cannes no ano de 2008.

A sessão Cine Assembléia é uma realização conjunta do Cineclube Natal e Assembleia Legslativa do Rio Grande do Norte.

terça-feira, 29 de março de 2011

Liz Velvet - Uma lenda que não morre

O professor e poeta João da Mata envia gentilmente um texto para este blog em homanegem a Liz Taylor. Segue a crônica:

João da Mata Costa


“ nada faço escondido... minha vida é um livro aberto ... devo tudo que sou ao público” Liz Taylor



Ela era umas das ultimas divas da sétima arte. Elizabeth Taylor, Liz Taylor protagonizou grandes personagens da literatura, do cinema e da história universal. Em 1963, ela encarnou uma deslumbrante "Cleópatra", dirigida por Joseph L. Mankiewicz – filme lhe rendeu um milhão de dólares e algumas doenças.

Seus olhos de um azul profundo era quase violeta. Tinha pavor a ficar só e por isso casou oficialmente oito vezes. Com o galês Richard Burton ela casou duas vezes e pediu para ser enterrada junto. Desde cedo aprendeu a seduzir com seus belos decotes e olhares tentadores e cruéis. Lembro sempre dela com seus ricos colares de diamantes, casando e descasando para casar novamente.

Não tinha grande estatura física como outras grandes do cinema, mas o cinema tudo transforma e a fez uma mulher fatal nas telas e no écran.
Elizabeth Rosemond Taylor nasceu em Londres, em 27 de fevereiro de 1932, filha de um antiquário (Francis Taylor) e uma atriz - Sara Southern -, que foi fundamental no início de sua precoce vida de estrela do cinema.

O chefão da poderosa MGM tinha pavor aos homossexuais e num contraponto Liz gostava muito deles e trabalhou muito por suas causas e doenças. Alguns de seus grandes amigos morreram de AIDS. A atriz foi grande amiga do cantor Michael Jackson que guardava tudo relacionado com a vida da bela atriz cuja vida e fama alimentou um manancial de revistas de fofocas e variedades num tempo em que essa indústria ainda era incipiente. “ as mulheres têm inveja de mim, mas ao gays me tratam como uma deusa “, escreveu Dulce Damasceno sobre Liz num livro que narra os bastidores da fábrica de sonhos Hollywood.

Num tempo em que as pequenas e belas atrizes faziam grande sucesso em Hollywood, Liz participa num filme B da Universal, mas sua verdadeira estréia acontece ao lado do cão Lassie, em “Força do Coração”.

Aos dezoito anos casou com o milionário Nicky Hilton que não lhe deu muita atenção e sexo. Depois casou com os atores Michael Wilding e Mike Todd. Ao filmar Um Lugar ao Sol em 1951, ela conhece o ator Montgomery Clift que se tornaria seu grande amigo e amante não correspondida. Dez anos após, ao filmar Cleópatra em Roma ela conhece o galã Richard Burton com que se casaria duas vezes e com quem contracenaria em muitos filmes. Grande atriz recebeu em 1961 seu primeiro Oscar por Disque Butterfield 8. Tem um papel marcante no filme “Quem tem Medo de Virginia Woolf ?” de 1966, que lhe daria um segundo Oscar. Antes, em 1958, ela participa do filme “Gata em Teto de Zinco Quente, baseado na peça do dramaturgo Tennessee Williams que não gostou da adaptação para o cinema. Nesse filme Liz Taylor faz o papel de Maggie e contracena com Brick (Paul Newman), um ex-jogador de futebol que se torna um alcoólatra e vive em crise matrimonial. Um belo filme onde Liz Taylor está deslumbrantemente bela e tem um grande desempenho cênico com diálogos primorosos com o seu talentoso partner Paul Newman.

A atriz Liz Taylor morre aos 79 anos, após uma vida de glamour e muitas doenças e cirurgias. O mito e a beleza de uma das mais belas e completas atrizes ficarão com cada amante da sétima arte. Continuaremos sonhando com seus filmes protagonizados por um dos rostos mais belos do cinema. Obrigado Liz por iluminar nossas vidas e embelezar um século de guerras em que o cinema mostrou que pode ser uma grande arte tendo atrizes como você.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Maggie, la eterna

O blog reproduz (no espanhol original) ótimo e emocionado artigo do cineasta espanhol Pedro Almodóvar publicado no jornal El País sobre a morte da atriz Elizabeth Taylor. A foto que ilustra o post é de Liz Taylor em "De repente, no último verão", filme de 1959 onde ela está linda como nunca.

Pedro Almodóvar



Sabía que no tardaría en ocurrir. Fueron muchos matrimonios, muchas enfermedades y muchas operaciones a las que ha sobrevivido esta mujer esplendorosa.
Desde que Tennessee Williams la escribiera, ha debido haber cientos de Maggie, la gata pero ninguna como la que Elizabeth Taylor interpretó al lado de Paul Newman, dirigida por Richard Brooks. La he visto miles de veces y siempre me ha impactado su fuerza, su belleza, su garra, su humanidad, su pasión, lo bien que le sienta la combinación y su ancestral conocimiento y tolerancia de esa cualidad tan masculina (y femenina) que es la homosexualidad. No es un secreto que Nick, igualmente bordado por Paul Newman, bebía hasta anegarse por el dolor de la muerte de su íntimo amigo (no recuerdo el nombre del personaje) cuya amistad ni el propio autor se atrevió a especificar hasta qué punto era íntima (la moral de la época y del propio Hollywood se lo habrían impedido).
He conocido a muchas estrellas, pero nunca tuve la oportunidad de conocerla a ella. Pero mi dvdteca y mi memoria está llena del arte que nos regaló en sus películas y en su propia vida. Cuando ya no hubo personajes, o no estaban a su altura, en esa industria cegata que ha dilapidado el talento de tantas actrices geniales de más de 40 años, Elizabeth Taylor tuvo lo que Billy Wilder calificaría como un gran tercer acto en su propia vida. Supo llenar el vacío de personajes con el mejor de ellos, el personaje solidario que dedicó los últimos casi 30 años de su vida y la potencia arrolladora de su fama a favor de los enfermos de sida, en un país en el que todavía sigue siendo un estigma. Elizabeth Taylor fue mucho más que una de las mejores actrices americanas desde los años cuarenta hasta los ochenta. La mujer que interpretó como nadie la vulgaridad hortera (Reflejos en un ojo dorado, de Huston, o su mítica ¿Quién teme a Virginia Woolf?) fue también icono de moda, modelo de mujer independiente que no escondía sus pasiones, ingeniosa, vital, inconformista. Una mujer a la que su propia importancia no le impedía poseer algo que pocas actrices guapas poseen: sentido del humor.
Ha muerto una de las actrices más hermosas de la historia del cine. El milagro de los ojos violeta. Mejor dicho, no ha muerto. El cine es eterno. Las películas nos sobrevivirán. Maggie es eterna.

quinta-feira, 24 de março de 2011

“Rango”: Diversão infantil com opção pelos “bichos escrotos” com humor sarcástico e citações culturais


Cefas Carvalho

Ao fim da sessão de “Rango” saí da sala 3 do Moviecom com um lago sorriso no rosto e com a lembrança de um clássico dos Titãs na cabeça: Bichos escrotos, aquela canção em que eles celebram baratas e ratos e se reportam de forma nada elegante à zebrinha listada, à oncinha pintada e ao coelhinho peludo. Explico. A animação “Rango” tem como personagem título um camaleão esquisito, que, em suas aventuras se depara com animais igualmente estranhos, como uma lagartixa chamada Feijão, toupeiras cegas, ratos e uma cascavel. Sim, nada de esquilos, pandas ou bichinhos engraçadinhos. E esta opção pelo inusitado, pelo feio mesmo, é o grande trunfo de “Rango”. Na verdade, o universo dos personagens (o deserto norte-americano) é feio, árido. Tudo isto serve como ponto de partida para o humor rápido e cinco, cheio de citações, em um roteiro que se não tem o brilhantismo dos escritos pelo pessoal da Pixar, ganha tranquilamente de roteiros como os de “Madagascar”, “Tá dando onda” e animações assemelhadas. Como esta resenha não tem como objetivo contar a história, basta dizer que tudo começa quando um camaleão de estimação com tendência para a encenação (!) cai acidentalmente numa estrada no meio do deserto. E partir daí, começa a história e a aventura do camaleão (inclusive o nome que ele se denomina, Rango). Destaco na aminação a cena de luta entre Rango e os animais da cidade contra as toupeiras auxiliadas por morcegos, com direito a rajadas de metralhadoras (citação de diversos filmes de guerra) e com “A cavalgada das Valquírias”, de Wagner, como trilha sonora (citação evidente à cena clássica de “Apocalyse Now”). Em suma: animação que é diversão garantida para as crianças e respeita a inteligência dos adultos. Dirigido por Gore Verbinski, da franquia “Piratas do Caribe”, em quem eu não apostaria uma pastilha Halls, mas que, felizmente, me fez dar o braço a torcer. A dublagem de “Rango” no orginal (dizem que excelente) é de Johnny Depp, mas isso terei de conferir em DVD, já que no Moviecom apenas a versão dublada está em cartaz. Ademais, eu estava acompanhado da filhota Ananda de 8 anos, e teria de assistir à animação dublada de qualquer maneira. A opinião dela? Adorou a animação. Programação para pais e filhos.

"Ela vestia veludo azul..."


Cefas Carvalho

Tive minha vida mudada por um filme. É certo que livros, músicas, bandas de rock também mudaram minha vida, de uma forma ou de outra, mas neste texto falaremos de cinema. Cinéfilo desde a pré-adolescência, daqueles de adorar a magia da projeção cinematográfica, como o menino Totó de “Cinema Paradiso”, poderia listar uma penca de filmes que me encantaram e me impressionaram. Contudo, foi “Veludo azul” o filme que mudou efetivamente minha forma de ver o cinema, de ver a vida em geral e a minha própria vida. Porém, não se trata do filme da minha vida (que é “Verão de 42”) nem o que mais vezes assisti (“Jesus Cristo Superstar”, que vi 19 vezes contadas, cantadas e catalogadas). Tudo bem que assistir “Hair”, em 1988, foi uma espécie de revelação divina e o filme foi responsável direto por eu deixar crescer os cabelos nos anos dourados da juventude, mas nesta altura “Veludo azul” já tinha feito minha cabeça.
A paixão começou nos idos de 1986, quando, adolescente tímido recém chegado no Rio de Janeiro, passava boa parte do meu tempo assistindo filmes, fosse na TV (nos bons tempos em que a Rede Globo exibia clássicos à noite), vídeo-cassete e cinema. Na tela grande, gostava de filmes bem hollywoodianos, tipo “Passagem para a Índia” e “Amadeus”, sucessos à época. Mas, nas resenhas dos cadernos culturais dos jornais os críticos só falavam de um tal “Veludo Azul”, do americano David Lynch, que era instigante, macabro, melhor filme do ano etc. Bateu a curiosidade de assisti-lo, claro, mas deparei com um problema: a censura do filme - sim ela existia naquele tempo e era razoavelmente rigorosa - era 18 anos. Eu mal contava dezesseis. Preferi não arriscar ser barrado no cinema e convenci papai e ir comigo, me autorizando para o bilheteiro a entrar. Lá fomos nós em uma tarde de sábado na sala 1 do finado (tornou-se uma sede da Igreja Universal...) Cine Lido, na Praia do Flamengo. Entrei na sala como uma pessoa e duas horas depois, saí outra.
Tudo me encantou e me impressionou no filme. Papai pouco se impressionou com o filme e até cochilou uma meia hora - velho hábito dele - na sala de projeção. Para quem desgraçadamente não viu o filme, um resumo: a trama é extremamente simples. Jeffrey (Kyle McLaughan, alter-ego e sósia do diretor) vive uma existência pacata naquelas cidadezinhas insípidas dos Estados Unidos quando de repente encontra uma orelha em um jardim. A partir deste fato corriqueiro, ele trava contato com a bela e misteriosa Dorothy (Isabela Rosselini) e com o perigoso Frank (Dennis Hopper, espetacular!) e se envolve com pessoas e situações que mostram a ele que o mundo não era exatamente cor de rosa como ele pensava.
Em suma, a experiência que Jeffrey viveu na trama, vivi durante a exibição do filme. Ao se acenderem as luzes eu tinha certeza que, como Jeffrey, jamais veria o mundo da mesma forma. Como diz a namorada de Jeffrey (Laura Dern) em uma cena, “este é um estranho mundo”.
E coisas estranhas não faltam no filme: um vilão que respira gás hélio e chora com músicas antigas, um travesti dublando Roy Orbison, perversões sexuais, gente morta em pé, como um abajur... uma série de bizarrices tão comuns que evocam Caetano Veloso: “de perto, ninguém é normal”.
Há a trilha sonora... está gravada no HD da minha mente a cena em que Isabella Rosselini canta o clássico “Blue velvet” aos sussurros, na boate... “she wore blue velvet, bluer than velvet was her eyes…” E Dean Stockwell dublando “In dreams” do mestre Roy Orbison? E o uso da belíssima “Love letters”? Mas nada se compara ao cinismo agridoce da cena final, um pastiche de final feliz com Julee Cruise - cantora fetiche de Lynch - cantando a macabra “Mysteries of Love”. Seria impossível eu sair imune a tal filme. Não saí. Tanto que no dia seguinte comecei a abandonar - embora não totalmente - os dramas tradicionais de Hollywood e adentrar no terreno pantanoso de Scorcese, Woody Allen, Jim Jarmush, à procura de sensações como a que “Veludo azul” me proporcionou. Daí para mergulhar no universo de Bergman, Almodóvar,Pasolini, Saura e Scola foi um passo. E adeus dramas lacrimosos com Sally Field e Sissy Speacek. E adeus filmes como “Robocop” e “Os Goonies”. Passei a economizar meus trocados para descobrir filmes estranhos nos cineclubes.
Quatro anos depois, David Lynch faria mais um filme que se inscreveria a fogo em minh´alma: “Coração selvagem”, um on the road maluco com Nicholas Cage e Laura Dern, músicas de Elvis Presley, sangue a rodo e uma estética alucinada. Assisti ao longa sozinho, em um cinema vazio e sujo em São Paulo, com a consciência que aquele filme também mudaria minha vida. Mudou, mas aí já seria uma outra história. Lynch continuaria agradando aos devotos com a série “Twin Peaks”, que para quem não se lembra mudou a história da televisão americana e filmes como “A estrada perdida” e “Mullholland drive - Cidade dos Sonhos”. Filmes sem pé nem cabeça e sem lógica, mas, que diabos, quem precisa de lógica na vida ou no cinema? Assistir a um filme de Lynch é uma experiência extra-sensorial. Nem todos gostam, é claro. Mas, quem vai ver um filme de Lynch é bom saber que vai adentrar um universo alucinado, pessoal e surreal. Este ano ele lançou nos EUA e na Europa seu mais novo filme, “Inland Empire”, que dificilmente chegará nestas terras cinematográficas tomadas por Piratas e Aracnídeos e comédias americanas cretinas. Enquanto isso, resta aos lynchmaníacos, espécie de confraria de gente que não bate muito bem da bola (alô, Rosa Williams!) e que sabe que o mundo real não é este que vemos, rever toda a cinematografia do cineasta mais esquisito do mundo. Afinal, she wore blue velvet...