segunda-feira, 28 de maio de 2012

"Amour", de Haneke, vence Festival de Cannes


Thiago Stivaletti
Do UOL, em Cannes (França)


Apenas três anos depois de vencer a Palma de Ouro com “A Fita Branca”, o austríaco Michael Haneke tornou-se bicampeão do prêmio máximo do Festival de Cannes com o filme francês “Amour”, sobre um homem idoso que precisa cuidar da esposa depois que ela sobre um derrame. Mais conhecido por filmes como “Funny Games” e “A Professora de Piano”, Haneke entrou num seleto clube de duplos vencedores da Palma que inclui o sérvio Emir Kusturica e os belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne.
O presidente do júri, o italiano Nani Moretti, anunciou o prêmio fazendo uma menção especial aos dois atores principais do filme, os franceses Jean-Louis Trintignant (“A Fraternidade é Vermelha”) e Emmanuelle Riva (“Hiroshima Meu Amor”). Depois da cerimônia, ele deu a entender que só não premiou os atores porque o regulamento proíbe outros prêmios ao filme vencedor da Palma. “Estou feliz de não estar sozinho aqui para receber este prêmio, mas com meus amigos. Os atores são a essência do meu filme”, disse Haneke ao receber o prêmio.
“Na Estrada”, de Walter Salles, saiu sem nenhum prêmio do festival. O filme recebeu uma acolhida apenas morna da imprensa internacional.

Sem nenhum forte favorito até o final do festival, Moretti confessou que nenhum dos prêmios foi dado por unanimidade pelos jurados. “Percebi que a maioria dos diretores tinham mais amor ao seu próprio estilo do que a seus personagens”, alfinetou. Já o estilista o Jean-Paul Gaultier, membro do júri, afirmou que o filme de Haneke o fez chorar.

O Grande Prêmio do Júri, segundo lugar na competição, ficou com o italiano “Reality”, de Matteo Garrone, sobre um peixeiro humilde que começa a enlouquecer com o sonho de entrar para o "Big Brother". O ator principal do filme, Aniello Arena, é um presidiário preso há 18 anos na Itália.
O prêmio mais controvertido foi o de melhor diretor para o mexicano Carlos Reygadas por “Post Tenebras Lux”, filme incompreensível que recebeu muitas críticas negativas de toda a imprensa. “Não sei como a imprensa recebeu o filme, mas alguns jurados ficaram tocados pela sua linguagem. Muitas emoções do filme continuaram a crescer dentro de nós”, disse Moretti.

Ao agradecer seu Prêmio do Júri por "The Angel’s Share", o britânico Ken Loach mencionou a crise econômica na Europa. "Mando minha solidariedade a todos aqueles que resistem hoje às medidas de austeridade e cortes na economia", destacou.


O prêmio de melhor ator foi para o dinamarquês Mads Mikkelsen, o vilão Le Chiffre de “007 – Cassino Royale”, pelo filme “Jagten” (A Caça), como um homem acusado de pedofilia por sua comunidade. “Obrigado por ter me convidado ao seu universo de amor e medo”, agradeceu ele ao diretor Thomas Vinterberg. As melhores atrizes foram as romenas Cosmina Stratan e Cristina Flutur, de “Dupã Dealuri” (Além das colinas), de Cristian Mungiu.

Segundo Moretti, outros dois filmes dividiram bastante as opiniões do júri: o francês “Holy Motors”, de Léos Carax, e o austríaco “Paradise: Love”, de Ulrich Seidl. Ambos terminaram sem nenhum prêmio.
O prêmio Caméra d’Or, para um filme de diretor estreante, foi para o americano “Beasts of the Southern Wild”, de Behn Zeitlin, que já havia vencido dois prêmios no Festival de Sundance em janeiro. O júri do prêmio foi presidido pelo brasileiro Cacá Diegues.

Palma de Ouro
“Amour”, de Michael Haneke (França)
(com menção aos atores Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva)

Grande Prêmio do Júri
“Reality”, de Matteo Garrone (Itália)

Melhor Atriz
Cosmina Stratan e Cristina Flutur, por “Dupã Dealuri”, de Cristian Mungiu (Romênia)

Melhor Ator
Mads Mikkelsen, por “Jagten” (A Caça), de Thomas Vinterberg (Dinamarca)

Melhor Diretor
Carlos Reygadas, por “Post Tenebras Lux” (México)

Melhor Roteiro
“Dupã Dealuri” (Além das Colinas), de Cristian Mungiu (Romênia)

Prêmio do Júri
“The Angel’s Share”, de Ken Loach (Reino Unido)

Caméra d’Or – melhor filme de diretor estreante
“Beasts of the Southern Wild”, de Behn Zeitlin (EUA)

Melhor curta-metragem
“Silêncio”, de L. Rezan Yesilbas (Turquia)

sábado, 26 de maio de 2012

Cena mágica e sensual marca "Les bién-aimés"

Cefas Carvalho

Em véspera da definição dos prêmios do Festival de Cannes (incógnita total, sem favoritismo para nenhum filme) eu poderia estar comentando das expectativas sobre os filmes de Michael Haneke ("L´amour") e David Cronnenberg ("Cosmopolis"), mas, vou pedir desculpas aos amigos cinéfilos e leitores do blog para postar mais uma cena do filme "Os bem amados", do francês Christophe Honoré (amanhã juro por Bergman que comento Cannes!). Trata-se de divertida cena musical (bem à moda de "Os guarda-chuvas do amor" e dos musicais de Stanley Donen, com mais malícia e ousadia) em que os personagens de Ludvine Sagnier e Rasha Bukvic  - com uma química sexual espantosa na cena e no filme - cantam a música "Les chiens ne font pas de chats" (expressão que pode ser traduzida como "Filha de peixe, peixinha é") discutindo sobre com quem a filha deles se parece (na verdade, um pretexto para discutirem a atração que sentem um pelo outro, o que é peça chave no filme). Momento mágico do cinema francês moderno, com destaque para a beleza pop-rock da canção de Alex Beaupain e para a beleza hipnótica de Ludvine Sagnier (que brilhou em outro filme de Honoré, "Canções de amor" e em "Swimming pool - na piscina" e "Moliére").


terça-feira, 22 de maio de 2012

Sobre Morrissey e cinema

Cefas Carvalho

Neste dia 22 de maio, o cantor e compositor inglês Morrissey completa 53 anos. Para os iniciados, desnecessário se estender sobre vida e obra do bardo de Manchester que salvou a vida de muita gente mundo afora com suas canções sobre desamor, deseperança e desespero. Quem não o conhece, que procure saber algo sobre o artista pop que há mais de 20 anos desafia convenções e mantém um trabalho com integridade e respeito aos fãs, ou melhor, aos devotos. Mas, como este é um blog sobre cinema, vamos fazer o link de Mozza com a sétima arte. Seguem abaixo os seguintes vídeos.

1) Cena do filme "Os bem amados", do francês Christophe Honoré, onde a atriz ítalo-francesa Chiara Mastroianni e o ator americano Paul Schneider cantam pelas ruas londrinas (tão cantadas por Morrissey) a belíssima "Ici Londres", de Alex Beaupain. Duas as citações ao artista inglês: No meio da  canção, os atores cantam o verso "Heaven knows I´m miserable now", título de uma das canções clássicas do The Smiths. A outra é a camisa usada por Chiara, com uma estampa de Oscar Wilde com os dizeres "Smiths is dead", que Morrissey muito usou após o término da banda.



2) Cena do clássico inglês "Um gosto de mel - A taste of honey", de Tony Richardson. O filme é baseado na peça teatral de Shealagh Delaney, que a escreveu com apenas 19 anos, e que é a obra literária favorita de Morrissey. A trama da peça  - sobre gravidez na adolescencia e desamor - é contada na canção "That night has opened my eyes" e vários versos da peça estão em letras das canções de Mozza, com destaque absoluto para "I dreamt about you last night and I felt out to bed twice" (Sonhei com você noite passada e caí da cama duas vezes) na letra de "Reel around the fountain".


3) cena clássica de "Gruppo de famiglia in un interno", do italiano Luchino Visconti, um dos meus cineastas preferidos. O filme, que recebeu no Brasil o nome brega de "Violência e paixão", fala sobre um professor que não se adapta aos tempos modernos e se vê obrigado a interagir com uma família desajustada. A cena que se segue (Burt Lancaster flagrando os jovens bebendo e fazendo sexo) é de uma poesia e um lirismo poucas vezes alcançado na história do cinema. Meu filme favorito de Visconti, que dirigiu 2 dos maiores filmes da história: "Rocco e seus irmãos" e "O leopardo". Ah, o que tem a ver com Morrissey? É que na canção "You have killed me", de 2006, ele canta em um dos versos "Visconti is me" (Visconti sou eu) para em seguida citar filmes e locações do cinema italiano.




segunda-feira, 21 de maio de 2012

Co-produção Argentina-Brasil encanta Quinzena dos Realizadores de Cannes


Robrigo Salem (Do Festival de Cannes)

Folha.com 

"Infância Clandestina", coprodução brasileira com Argentina e Espanha, foi recebida com entusiasmo e lágrimas em sessão na Quinzena dos Realizadores, ontem.
O público lotou o cinema La Croisette para assistir à história semiautobiográfica do diretor Benjamin Ávila sobre sua infância escondido durante os anos de chumbo na Argentina. "É um filme muito pessoal e, mesmo que não seja exatamente sobre como foi minha vida na minha época, quis passar o sentimento sobre o assunto."
Uma espécie de "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger, mas com o protagonista mirim (o bom Teo Gutiérrez Moreno) se mudando com os pais, "Infância Clandestina" arrancou lágrimas do público e foi ovacionado por vários minutos.
A maratona emocional do longa coescrito pelo brasileiro Marcelo Muller foi além.
Quando Ávila subiu ao palco para uma sessão aberta de perguntas e respostas, uma francesa perguntou sobre a "geração perdida que as crianças se tornaram" e começou a chorar copiosamente ao microfone. "Somos uma geração sacrificada, mas é importante para mostrar que as ideias sobrevivem até a revoluções não realizadas", respondeu ele, emocionado.
O filme fala sobre a ditadura argentina de uma maneira diferente, usando bom humor e certa inocência. "Acredito que está mais fácil fazer filmes assim na Argentina, com um tom menos correto, engraçado e emocionante", disse o cineasta.
A obra aposta num clima menos sombrio e é recheada de boas interpretações, com destaque para Ernesto Alterio como um tio revolucionário que não perde a ternura jamais. "Tive uma conexão especial com o personagem e Benjamin", falou o ator.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Semana do Filme Cult mostra no TCP obras censuradas e mutiladas


Em sua sexta edição, a Semana do Filme Cult surge com uma novidade para os cinéfilos que nunca perdoaram a exibição de clássicos do Underground mutilados pela Censura.  Seja por restrições moralistas à época de seus lançamentos originais ou por puro temor dos distribuidores, alguns dos filmes programados passaram ao largo do circuito brasileiro, quando muito, exibidos com atraso ou em sessões restritas.

Para o jornalista e crítico de Cinema Rodrigo Hammer que mais uma vez organiza a mostra junto aos colegas cinéfilos Nelson Marques e Gianfranco Marchi, trata-se de mais uma oportunidade indispensável para os admiradores de um tipo de cinematografia que raras vezes pode chegar ao espectador em espaço reservado aos gêneros propostos – nesse caso, o auditório do Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (anexo da Fundação José Augusto).

“Muita gente até poderia baixar alguns dos filmes programados na Internet, mas o nosso diferencial é a legendagem das cópias em Português do Brasil, em versões integrais. Fizemos questão de trabalhar com esse objetivo desde o início, tanto que uma das escolhas tinha sido The Devils, de Ken Russell, um filme com mais de cinco versões diferentes, todas reduzidas. A última delas, recém-lançada na Inglaterra em Blu-Ray, contém a metragem original. Já que não conseguimos a tempo, decidimos por cortá-la da seleção final”, explicou Hammer.



 Entre os três organizadores, o consenso este ano foi por obras pertencentes a cinematografias menos vistas pelo público potiguar devido à própria política dos exibidores locais em relação a países que fogem do ramerrão hollywoodiano. À exceção de um dos títulos, todos os outros pertencem a continentes que não o americano.

Em destaque, na abertura, A Mulher Macaco (La Donna Scimmia, 1964), filme de estreia do controverso italiano Marco Ferreri, mais conhecido no Brasil graças ao extravagante A Comilança, de 1973. Ousadíssimo para a época, conta com uma interpretação inesquecível de Ugo Tognazzi, aqui na pele de um empresário determinado a levar às últimas consequências o envolvimento com mulher coberta de pelos que conhece num convento. Predileção de Ferreri, a crítica à hipocrisia da sociedade italiana dá a tônica do roteiro.   

Segundo filme da programação, Performance, a obra-prima dirigida a quatro mãos por Donald Cammell e Nicolas “O Homem Que Caiu na Terra” Roeg, será exibido em cópia remaster. A maior curiosidade fica por conta do Stone Mick Jagger no papel de um astro decadente às voltas com duas amantes. A contragosto, ele aceita refugiar um gangster em mansão londrina. Apesar de o superstar britânico ter tentado outras incursões nas telas, nenhuma outra foi tão polêmica quanto esta. “Jagger realmente é quem paga o filme naquela fronteira entre 1969 e 1970. As cenas com Anita Pallenbeng, incluindo o banho a três, inflamou a ira de Keith Richards que namorava com ela na época. O final do filme também é até hoje uma verdadeira incógnita. Pouca gente consegue desvendar o que teria acontecido”, adiantou Rodrigo Hammer.



 Para a quinta-feira, terceiro dia da programação, foi escolhido o clássico nipônico Onibaba – A Mulher Demônio, referência para o que se fez em Terror no Ocidente a partir de então. O filme, controvertido pelas sequências de delírio em p/b que ilustram a convivência de duas mulheres durante guerra japonesa no século XIV, é o ponto alto na carreira do diretor Kaneto Shindô, que não se furtou em explorar nudez e imagens de alto poder sugestivo entre os protagonistas.

Sem o mesmo requinte, mas extremamente violenta, A Cruel Movie – atração da sexta-feira na mostra – é a fita que inspirou o cultuado Quentin Tarantino a incursionar pela iconografia Trash das vinganças sanguinolentas e heroínas caolhas. Na produção sueca lançada em 1974, uma garota traumatizada por repetidos abusos sai em busca dos algozes e não mede conseqüências para chegar ao ponto culminante de sua trajetória. Até ser liberado na íntegra após diversas cópias encurtadas pelos censores, o filme chegou ao público rapinado nos planos de sexo explícito onde o realizador capricha em closes e takes extremamente realistas.

Pink Flamingos, escolhido para o sábado, pode ser considerado o título que mais honra a denominação “Cult” explorada na semana. A obra-prima do excêntrico John Waters mais uma vez exalta a presença do travesti Divine – “musa” do realizador também em outras produções – através de um retrato impiedoso dos tipos que habitam a pacata Baltimore. Rei do mau-gosto, Waters também é dono de humor bastante peculiar, carregando nas tintas escatológicas que chocaram o mundo quando o filme estreou fulminado por protestos.

Para encerrar a mostra, Saló ou Os 120 Dias de Sodoma traz um ácido painel de perversões com a assinatura ambiciosa de Pier Paolo Pasolini. Proibido no Brasil, bem como em diversos países ofendidos pelo teor sadomasoquista das sequências exploradas pelo realizador que não poupou espancamento, coprofagia e toda a sorte de humilhações ao grupo de campesinos mostrado no filme, chegou a ser exibido em Natal nos Anos 1980, onde não passou de quatro dias no extinto Cine Rio Grande. “Saló vai muito além do que se apregoa como chocante em algumas de suas cenas. Essa contundência pode ser atribuída, isso sim, ao que Pasolini transmite sobre instituições como o Clero e a Política, representados pelo grupo reunido no castelo onde se passa o filme”, considera Hammer.

A VI Semana do Filme Cult conta com o apoio da Fundação José Augusto, responsável pela cessão do Teatro de Cultura Popular Chico Daniel, onde será mais uma vez realizada. Como nas edições anteriores, antes de cada filme programado será exibido um curta-metragem.

VI SEMANA DO FILME CULT
Período: de 15 a 20 de maio (terça-feira a domingo)
Local: Teatro de Cultura Popular Chico Daniel
Endereço: Rua Jundiaí, 641 – Tirol (anexo ao prédio da Fundação José Augusto)
Horário: 19h


PROGRAMAÇÃO

15/05
A Mulher Macaco (1964) – 92 min.
La Donna Scimmia – ITA/FRA
Curta-Metragem (14 min.) – Viagem à Lua (Le Voyage Dans La Lune) – 1902, FRA
Dir. Georges Meliés

16/05
Performance (1970) – 105 min.
Performance – ING
Curta-Metragem (18 min.) – A Mão (Ruka) – 1966, TCH
Dir. Jiri Trnka

17/05
Onibaba – A Mulher Demônio (1964) – 103 min.
Onibaba – JAP
Curta_Metragem (15 min.) – O Pombo (De Düva) – 1968, EUA
Dir. George Coe/Anthony Lover

18/05
A Cruel Picture (1974) – 104 min.
A Cruel Picture – SUE
Curta-Metragem (15 min.) – Dois Pássaros (Smáfuglar) – 2008, ISL
Dir. Rúnar Rúnarsson

19/05
Pink Flamingos (1972) – 93 min.
Pink Flamingos – EUA
Curta-Metragem (03 min.) – Um Dia de Trabalho (Working Day) – 2010, NZE
Dir. Andres Borghi

20/05
Saló ou Os 120 Dias de Sodoma (1975) – 145 min.
Salò o Le 120 Giornate di Sodoma – ITA/FRA
Curta Metragem (15 min.) – Leviathan – 2006, CRO
Dir. Simon Bogojevic

Nota do blogueiro: Uma seleção de filmes execepcional, com destaque para “Saló”, de Pasolini, que por misturar cenas esteticamente fortes e cruéis com uma mensagem anti-sociedade que destrói conceitos como Igreja, família, poder político e judiciário, costuma ser considerado o filme mais “barra pesada” de todos os tempos. Para estômagos e mentes fortes.