Em sua sexta edição, a Semana do Filme Cult surge com
uma novidade para os cinéfilos que nunca perdoaram a exibição de clássicos do
Underground mutilados pela Censura. Seja por restrições moralistas à
época de seus lançamentos originais ou por puro temor dos distribuidores,
alguns dos filmes programados passaram ao largo do circuito brasileiro, quando
muito, exibidos com atraso ou em sessões restritas.
Para o jornalista e crítico de Cinema Rodrigo Hammer
que mais uma vez organiza a mostra junto aos colegas cinéfilos Nelson Marques e
Gianfranco Marchi, trata-se de mais uma oportunidade indispensável para os admiradores
de um tipo de cinematografia que raras vezes pode chegar ao espectador em
espaço reservado aos gêneros propostos – nesse caso, o auditório do Teatro de
Cultura Popular Chico Daniel (anexo da Fundação José Augusto).
“Muita gente até poderia baixar alguns dos filmes
programados na Internet, mas o nosso diferencial é a legendagem das cópias em
Português do Brasil, em versões integrais. Fizemos questão de trabalhar com
esse objetivo desde o início, tanto que uma das escolhas tinha sido The Devils,
de Ken Russell, um filme com mais de cinco versões diferentes, todas reduzidas.
A última delas, recém-lançada na Inglaterra em Blu-Ray, contém a metragem
original. Já que não conseguimos a tempo, decidimos por cortá-la da seleção
final”, explicou Hammer.
Entre os três organizadores, o consenso este ano
foi por obras pertencentes a cinematografias menos vistas pelo público potiguar
devido à própria política dos exibidores locais em relação a países que fogem
do ramerrão hollywoodiano. À exceção de um dos títulos, todos os outros
pertencem a continentes que não o americano.
Em destaque, na abertura, A Mulher Macaco (La Donna
Scimmia, 1964), filme de estreia do controverso italiano Marco Ferreri,
mais conhecido no Brasil graças ao extravagante A Comilança, de 1973.
Ousadíssimo para a época, conta com uma interpretação inesquecível de Ugo
Tognazzi, aqui na pele de um empresário determinado a levar às últimas
consequências o envolvimento com mulher coberta de pelos que conhece num
convento. Predileção de Ferreri, a crítica à hipocrisia da sociedade italiana
dá a tônica do roteiro.
Segundo filme da programação, Performance, a
obra-prima dirigida a quatro mãos por Donald Cammell e Nicolas “O Homem Que
Caiu na Terra” Roeg, será exibido em cópia remaster. A maior curiosidade fica
por conta do Stone Mick Jagger no papel de um astro decadente às voltas com
duas amantes. A contragosto, ele aceita refugiar um gangster em mansão
londrina. Apesar de o superstar britânico ter tentado outras incursões nas
telas, nenhuma outra foi tão polêmica quanto esta. “Jagger realmente é quem
paga o filme naquela fronteira entre 1969 e 1970. As cenas com Anita
Pallenbeng, incluindo o banho a três, inflamou a ira de Keith Richards que
namorava com ela na época. O final do filme também é até hoje uma verdadeira
incógnita. Pouca gente consegue desvendar o que teria acontecido”, adiantou
Rodrigo Hammer.
Para a quinta-feira, terceiro dia da programação,
foi escolhido o clássico nipônico Onibaba – A Mulher Demônio, referência
para o que se fez em Terror no Ocidente a partir de então. O filme,
controvertido pelas sequências de delírio em p/b que ilustram a convivência de
duas mulheres durante guerra japonesa no século XIV, é o ponto alto na carreira
do diretor Kaneto Shindô, que não se furtou em explorar nudez e imagens de alto
poder sugestivo entre os protagonistas.
Sem o mesmo requinte, mas extremamente violenta, A
Cruel Movie – atração da sexta-feira na mostra – é a fita que inspirou o
cultuado Quentin Tarantino a incursionar pela iconografia Trash das vinganças
sanguinolentas e heroínas caolhas. Na produção sueca lançada em 1974, uma
garota traumatizada por repetidos abusos sai em busca dos algozes e não mede
conseqüências para chegar ao ponto culminante de sua trajetória. Até ser
liberado na íntegra após diversas cópias encurtadas pelos censores, o filme
chegou ao público rapinado nos planos de sexo explícito onde o realizador
capricha em closes e takes extremamente realistas.
Pink Flamingos, escolhido para o sábado,
pode ser considerado o título que mais honra a denominação “Cult” explorada na
semana. A obra-prima do excêntrico John Waters mais uma vez exalta a presença
do travesti Divine – “musa” do realizador também em outras produções – através
de um retrato impiedoso dos tipos que habitam a pacata Baltimore. Rei do
mau-gosto, Waters também é dono de humor bastante peculiar, carregando nas
tintas escatológicas que chocaram o mundo quando o filme estreou fulminado por
protestos.
Para encerrar a mostra, Saló ou Os 120 Dias de
Sodoma traz um ácido painel de perversões com a assinatura ambiciosa de
Pier Paolo Pasolini. Proibido no Brasil, bem como em diversos países ofendidos
pelo teor sadomasoquista das sequências exploradas pelo realizador que não
poupou espancamento, coprofagia e toda a sorte de humilhações ao grupo de
campesinos mostrado no filme, chegou a ser exibido em Natal nos Anos 1980, onde
não passou de quatro dias no extinto Cine Rio Grande. “Saló vai muito além do
que se apregoa como chocante em algumas de suas cenas. Essa contundência pode
ser atribuída, isso sim, ao que Pasolini transmite sobre instituições como o
Clero e a Política, representados pelo grupo reunido no castelo onde se passa o
filme”, considera Hammer.
A VI Semana do Filme Cult conta com o apoio da Fundação
José Augusto, responsável pela cessão do Teatro de Cultura Popular Chico
Daniel, onde será mais uma vez realizada. Como nas edições anteriores, antes de
cada filme programado será exibido um curta-metragem.
VI SEMANA DO FILME CULT
Período: de 15 a 20 de maio (terça-feira a domingo)
Local: Teatro de Cultura Popular Chico Daniel
Endereço: Rua Jundiaí, 641 – Tirol (anexo ao prédio da
Fundação José Augusto)
Horário: 19h
PROGRAMAÇÃO
15/05
A Mulher Macaco (1964) – 92 min.
La Donna Scimmia – ITA/FRA
Curta-Metragem (14 min.) – Viagem à Lua (Le Voyage
Dans La Lune) – 1902, FRA
Dir. Georges Meliés
16/05
Performance (1970)
– 105 min.
Performance – ING
Curta-Metragem (18 min.) – A Mão (Ruka) – 1966,
TCH
Dir. Jiri Trnka
17/05
Onibaba – A Mulher Demônio (1964) – 103 min.
Onibaba – JAP
Curta_Metragem (15 min.) – O Pombo (De Düva) –
1968, EUA
Dir. George
Coe/Anthony Lover
18/05
A Cruel Picture
(1974) – 104 min.
A Cruel Picture –
SUE
Curta-Metragem (15 min.) – Dois Pássaros (Smáfuglar)
– 2008, ISL
Dir. Rúnar Rúnarsson
19/05
Pink Flamingos (1972) – 93 min.
Pink Flamingos – EUA
Curta-Metragem (03 min.) – Um Dia de Trabalho
(Working Day) – 2010, NZE
Dir. Andres Borghi
20/05
Saló ou Os 120 Dias de Sodoma (1975) – 145 min.
Salò o Le 120 Giornate di Sodoma – ITA/FRA
Curta Metragem (15 min.) – Leviathan – 2006, CRO
Dir. Simon Bogojevic
Nota
do blogueiro: Uma seleção de filmes execepcional, com
destaque para “Saló”, de Pasolini, que por misturar cenas esteticamente fortes
e cruéis com uma mensagem anti-sociedade que destrói conceitos como Igreja,
família, poder político e judiciário, costuma ser considerado o filme mais “barra
pesada” de todos os tempos. Para estômagos e mentes fortes.
Já vi todos eles, mas gostaria de ver o bizarro A MULHER MACACO em tela grande.
ResponderExcluirO Falcão Maltês