Cefas Carvalho
Este blogueiro cinéfilo pede licença aos leitores para deixar de lado a sétima arte neste post para falar sobre teatro. Em recente viagem ao Rio de Janeiro consegui fugir das dezenas de comédias (refinadas ou besteirol) e comediantes stand-up que infestam a Cidade Maravilhosa e as demais capitais, para assistir a um drama. Mais que isso, um drama de Tennesse Williams, sim, aquele mesmo, o dramaturgo americano de "Um bonde chamado desejo" e "Gata em teto de zinco quente" entre outros tão conhecidos por cinéfilos e amantes do teatro. Ou seja, o terreno teatro-cinema aqui é tênue e felizmente, desbravável.
Trata-se do espetáculo "Não sobre rouxinóis", ainda em cartaz para os sortudos cariocas na sala Paulo Pontes, no Teatro Net, no Shopping dos Antiquários, em Copacabana. Dirigida por João Fonseca e Viniciús Arneiro (tradução de Eduardo Rieche, também ator na peça), a peça foi escrita por Williams em 1938 quando o autor contava apenas 27 anos (mas montado pela primeira vez apenas em 1998!) e versa sobre um fato real: a revolta de presos contra as condições subhumanas do presídio e a postura ditatorial do diretor.
Claro que em se tratando de Williams, as relações humanas e a tensão sexual ganham espaço. E são elas que pontuam a trama, que trata basicamente das reivindicações do líder dos detentos Butch (Bruno Ferrari) por melhor comida e bons tratos em um presídio, confrontando Whalen, o diretor mau caráter e sádico que "disputa" a recém-contratada secretária Eva com o detento-secretário "Canário" Jimmy, conhecido como delator entre os demais presos. Este ponto de partida leva a trama e os personagens às consequencias extremas.
Não sendo crítico de teatro e assistindo a peça com o olhar passional já conhecido pelos leitores do blog (devoto que sou de Lynch, Bergman, Honoré e tantos outros) não me atreveria jamais a apontar que este ou aquele ator se destaca ou que a direção acerta nisso ou naquilo. O fato é que a visceralidade da peça chama a atenção e tudo parece fiuncionar: direção, cenografia, sonoplastia etc. O elenco - todo ele excelente - é formado por Nilvan Santos, Adriana Maia, Júlia Marini, Eduardo Rieche, Thelmo Fernandes, Cleiton Rasga, Éber Inácio, Alexandre Mofati, Sérgio Ricardo Loureiro, Alex Nader e César Amorim.
A proximidade do palco com a platéia (poucos centímetros entre o limite do palco e primeira fila) faz com que o espetáculo ganhe ares angustiantes, já que muitas cenas envolvem tortura física (há psicológica também, em grandes quantidades), confinamento e sensação de calor. Muita gente na platéia - nitidamente experimentada em dramas pesados - se mostrou desconfortável com o que se passava no palco. Nada melhor para quem, como este blogueiro, sonha com peças, filmes, músicas e livros que me tirem da zona de conforto e me lembrem sempre que a vida é algo nebuloso e sombrio, cheio de som e de fúria, como diria Shakespeare.
O título da peça é explicado em um diálogo entre Jimmy e Eva na qual o primeiro cita o poeta inglês Keats, criticando uma famosa obra do poeta (Ode a um rouxinol) e defendendo uma posição filosófica do mundo que muito parece com a deste blogueiro. Quem quiser que fale sobre rouxinóis ou teça odes sobre flores, passarinhos ou cachoeiras (ops!). A peça em questão é sobre dor, encarceramento, desilusão e morte. Temas que merecem ser discutidos e analisados neste mundo cão de hoje em dia, neste Brasil velho de guerra, tão bruto e cruel como os EUA da depressão da década de 30, no mundo sempre esquisito e cru do mestre Williams.
Nota do blogueiro: Fatalmente o espetáculo citado estaria entre as prioridades para se assistir no eixo Rio-São Paulo, mas o fato é que foi o amigo César Amorim fazer parte do elenco quem me fez saltar os olhos para a peça, ainda em terras potiguares, e a ele agradeço a atenção, o carinho e a simpatia, assim como a de todo o elenco do espetáculo. Pena que, como conversei com o elenco após o espatáculo, uma peça dramática com 12 atores dificilmente conseguirá fazer turnê que chegue às capitais nordestinas.
Sou fã de Tennesse, mas não conheço esse texto dele. Vc teria uma cópia, Cefas?
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Amigo, pedi uma cópia a um dos atores. Estou esperando a resposta. Em ele me enviando, lhe repasso imediatamente. Abraço!
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