quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"Melancolia": Von Trier faz o melhor filme de 2011 e materializa metáfora do "fim do mundo"


Cefas Carvalho

Tendo estreado em maio do ano passado na mostra competitiva do festival da Cannes, "Melancolia" já gerou furor e polêmica desde o início, quando seu diretor, o dinamarquês Lars Von Trier, meia hora após a primeira exibição da fita, fez comentários minimizando o nazismo e o holocausto, de maneira que foi banido do festival. Não obstante, a protagonista Kirsten Dunst ganhou o prêmio de melhor atriz, mas o fato é que "Melancolia" acabou sendo subestimado e de certa forma repudiado. Uma pena, porque o filme é muito bom. Tanto que, passada a  comoção contra as imbecilidades de Von Trier, "Melancolia" entrou em quase todas as listas dos melhores filmes de 2011 e ganhou prêmios importantes, como o de melhor filme europeu do ano. 
Suspeitíssimo para resenhar filmes de Von Trier (devoto que sou do homem desde "Ondas do destino" e defensor ardente de "Dançando no escuro" e "Anticristo"), e passional autodeclarado, eu assisti "Melanciolia" com aquela velha sensação de que "ainda não vi mas sei que vou gostar". E o filme superou minhas expectativas.
A trama é simples mas nada convencional: Justine (Kirsten Dunst, linda e melhor atriz do que nunca) vai se casar em festa luxuosamente organizada pela irmã Claire (Charlotte Gainsbourgh) - com quem não se dá bem - mas o evidente desinteresse dela com o marido e o próprio casamento fazem com que ele termine neste mesmo dia (Esta primeira parte do filme lembra muito "Festa em família", do também dinamarquês Thomas Vintenberg, que, junto com Trier criou o malfadado Dogma 95). A partir daí as duas irmãs são informadas da notícia que o planeta Melancolia está se aproximando da Terra, com chances de se colidir com ela.
O filme permite leituras múltiplas (ou leitura alguma, na verdade) e, em minha opinião, brinca (de modo depressivo, claro) com a idéia que temos de "o mundo está acabando" quando algo ruim nos acomete (morte de um ente querido, uma demissão inesperada, um romance terminado). Sim, diariamente todos nós passamos pela sensação de fim do mundo. Trier materializou esta sensação humana, demasiadamente humana em experiência real. Nada mais de metáforas e sim o real fim do mundo (Paradoxalmente o filme é uma metáfora para o espectador).
Desta destruição eminente, temos dois pontos de vista (na verdade, duas formas de viver e olhar o mundo) diferentes. A cerebral, sensata e metódica Claire não consegue aceitar o fim do mundo. A depressiva e insensata Justine parece manter uma relação próxima com o planeta Melancolia e aceita de forma serena o fim próximo. Há um terceiro pontro de vista, o do marido de Claire (Kiefer Sutherland), que analisa o planeta e a situação com certa empáfia científica. Há ainda a visão infantil da tragédia, proporcionada pelo filho de 10 anos de Claire (que tem relacionamento mais próximo com a tia Justine do que com a mãe).
Algum crítico comentou que se trata de uma ficção-científica de arte. Nada mais errado. É que nos acostumamos com a visão hollywoodiana do mundo prestes a acabar, com o presidente heróico, o cientista brilhante, as pessoas gritando pelas ruas e o final feliz. O mundo sofrer a possibilidade de ser destruído por outra planeta é uma idéia tão poética como qualquer outra, e possibilita que o microscópio se fixe em 4 pessoas isoladas em um castelo, como é o caso do filme, à espera do inevitável fim.
Na verdade sou péssimo em teorizar sobre cinema e gosto mais de comentá-los em mesas de bar, com amigos igualmente passionais, e com a providencial ajuda de cerveja gelada e queijo a milanesa do que me perder em resenhas intelectualizadas e fartas de citações. Sim, "Melancolia" é um filme de arte intelectualizado, esnobe e ambicioso de doer (se assim não fosse não seria Von Trier), mas é belíssimo (a fotografia de Manuel Claro é espetacular!) e uma experiência sensorial mais que cerebral. Recordo de amigos que detestaram "Anticristo" (filme anterior de Von Trier) e não perderam a chance de me alfinetar: "Mas, o que você entendeu do filme?". Ora, bolas, não faço questão de entender e sim que o filme mexa em algo na minha alma, desconforte meu cérebro e acelere meu coração. Após tantos outros filmes (inclusive o ainda não citado aqui "Dogville") Von Trier conseguiu isso outra vez (pelo menos comigo). E cá entre nós, não dá para não sentir uma coceira no espírito ao ver a cena de Justine olhando o céu e contemplando o planeta Melancolia. Ah, e o próximo filme do dinamarquês, com previsão de lançamento para 2013 é "Ninfomania" sobre a sexualidade de uma mulher do nascimento até a morte. Não vi, sequer começou a ser filmado, mas já gostei!



4 comentários:

  1. Concordo com Antonio, ótima resenha. E assim como você, Cefas, já espero (gostando) pelos próximos trabalhos desse grande e magnífico diretor. Beijos

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  2. E como observou muito bem a nossa Marize Castro: "Justine (interpretada por Kirsten Dunst), no final, propõe brincar.
    Brinquemos, então."

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    1. Oi Leticia, valeu os comentários cinéfilos. Bem observada a frase final por Marize Castro.

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